Lembrando Ronaldo Dias (1959-2025)
Hedibert Freitas Lopes (Insper)
É com profunda tristeza que anunciamos o falecimento de Ronaldo Dias, aos sessenta e cinco anos de idade, no dia 28 de março de 2025. Ronaldinho, como nós amigos costumávamos chamá-lo, era professor titular do Departamento de Estatística, do Instituto de Matemática, Estatística e Computação Científica da Universidade Estadual de Campinas (IMECC/UNICAMP), onde ensinava, pesquisava e contribuía de forma consistente e sempre ativa para o engrandecimento da estatística no Brasil e no mundo nos últimos trinta anos.
Ronaldinho nasceu em São Paulo, no dia 12 de junho de 1959. Ele obteve o bacharelado em Estatística em 1985 pela Universidade Federal de São Carlos, e o mestrado em Estatística em 1988 pela Universidade Estadual de Campinas, sob a orientação de José Antonio Cordeiro e trabalhando em estimação por mínima distância de Hellinger. Ronaldo e Nancy, também uma estatística de relevância internacional e colega de departamento e de vida fazem quatro décadas, se conheceram durante a graduação, sendo que ela cursou na própria Unicamp, mas tinham uma amiga em comum e isso fez com que eles se encontrassem durante o mestrado. Em janeiro de 1985 ambos fizeram o curso de verão no IMPA, com Nancy començando o mestrado em seguida, enquanto Ronaldinho começou em agosto de 1985. Casaram-se em novembro de 1986.
Seu doutorado, sob a supervisão da grande estatística Grace Wahba entre 1989 e 1994, foi na Universidade de Wisconsin, em Madison, EUA, trabalhando no tema de estimação de densidades via splines híbridos. Tema extremamente relevante nos avanços recentes em aprendizagem de máquinas e na estatística moderna, com foco em modelos altamente complexos e estruturados e baseados em dados dos mais diversos formatos e fontes. Ronaldinho tornou-se membro eleito do International Statistical Institute (ISI) em 2013.
Suas contribuições nas áreas de estimação de densidade, regressão funcional, h-splines e splines híbridos são marca registrada em sua carreira, com publicações em revistas de reconhecimento internacional, como Econometric Review, Journal of Multivariate Analysis, Journal of Statistical Computation and Simulation and Communications in Statistics-Simulation and Computation, Journal of Applied Statistics e Statistics in Medicine. Nessa última revista, num artigo de 2023, ele contribuiu com a modelagem de doenças infecciosas via modelos funcionais para a pandemia de COVID-19.
Ronaldinho era uma pessoa muito curiosa e não se satisfazia com respostas rasas para perguntas ou temas relevantes. Sempre se aprofundava um pouco mais em qualquer assunto que se envolvia, desde de uma nova versão de enfoque inferencial para regressão não-linear, passando pela escolha de qual café gourmet escolher, ou ainda que computador seria melhor para uma determinada tarefa estatística, indo até o interesse pela história de Hyde Park, bairro one fica a Universidade de Chicago e onde foi me visitar por algumas semanas mais de 15 anos atrás. Ronaldo era apaixonado por esportes e uma pessoa religiosamente preocupada com a saúde mental e física, sempre se exercitando e motivando todos ao redor à práticas saudáveis. Ele amava incondiconalmente Rugby, esporte pouco conhecido no Brasil, mas que ele exaltava e praticava toda vez que podia. Nem por isso deixou de ser um digno e ilustre Palmeirense, o que lhe trouxe muitas alegrias (e títulos) na última década. Talvez a única arena que antagonizávamos, ele Palmeirense, eu Botafoguense.
De acordo com nossa querida Nancy, Ronaldinho gostava muito dessa foto, tirada na sala de meu apartamento, próximo à Lakeshore Drive, em Hyde Park, durante sua visita à Universidade de Chicago Booth School of Business, em agosto de 2008. Ao fundo o lago Michigan e o centro de Chicago.
Como os depoimentos abaixo vão atestar, Ronaldinho era uma pessoa muito querida e que sempre trazia muita alegria e instigava invariável curiosidade àqueles ao seu redor. Ronaldo deixa sua esposa, Nancy Garcia, e dois filhos, Alexandre e Anna, jovens que herdam de Ronaldo a educação, o carinho e a atenção a todos que encontram. Com pais estatísticos, não é supresa que Alexandre também seja um estatístico, e que recentemente defendeu sua dissertação de mestrado sob a orientação da Mariana Motta, colega de departamento e amiga da família.
Nós todos, amigos, companheiros da estatística, colegas do trabalho, da academia, dos congressos, do Rugby e do Palmeiras, dividimos com Nancy, Alexandre e Anna, e também com os demais familiares, nossos sentimentos mais sinceros e profundos e a singela constatação que Ronaldo segue em nossos pensamentos, em nossas vidas e em nossas formas de ver o mundo e interagir com ele. Descanse em paz, Grande Ronaldinho.
Do amigo que muito lhe estima, Pequeno Hedibert
(30 de março de 2025, domingo de Palmeiras 0 x 0 Botafogo)
Recordações pessoais
Ronaldinho foi o primeiro estatístico que conheci que pesquisava métodos não paramétricos como eu. Mas era seu sorriso que sempre me cativou. Parecia nunca sair do seu rosto. Lembro dele de cara limpa, de cavanhaque, de barba e, acho, até de bigode. Mas, independentemente do estilo, o sorriso que tanto me marcava estava lá, a cada piada que contava. Ronaldinho era um cara leve e brincalhão, com um espírito moleque. E assim ficará marcado na minha memória. Ronaldinho, descanse em paz e sorrindo para a gente!
Marcelo Fernandes
Conheci Ronaldinho em 2003, quando havia menos de um ano desde o meu retorno ao Brasil após meu treinamento no exterior. Ele foi o primeiro pesquisador a me convidar para dar uma palestra em outro departamento de Estatística no Brasil. Ainda me lembro de quão valorizada me senti e com o carinho que ele e Nancy me receberam. A Anna era recém-nascida, Nancy estava em licença maternidade. Então ao término do dia, antes de me levar para jantar, ele falou que passaríamos na casa deles, pois Nancy queria me conhecer. E aí, conheci Nancy e Anna simultaneamente, ela vermelhinha, recém-nascida, no colo da Nancy. Acho que esse primeiro convite foi o passaporte inicial para que outros programas me convidassem para dar palestras. Aí, começou uma amizade com eles que tem durado mais de 20 anos. Serei eternamente agradecida por este
primeiro acolhimento e pelo carinho com que sempre fui recebida. Em 2013 publicamos um artigo em conjunto no Technometrics motivados por um problema no setor elétrico. Eu me lembro bem das discussões que tínhamos na lousa da sala dele. Como dividíamos momentos de reflexão sobre o problema com várias gargalhadas. E ao final
do dia, ia jantar na casa deles. Geralmente, Ronaldinho oferecia uma dose de scotch e ele começava a dividir seus conhecimentos de história, um hobby que ele gostava muito; era sempre um aprendizado. Ronaldinho, querido, serei sempre agradecida ao seu apoio e lembrarei com muito carinho de nossas discussões sobre como achávamos que a comunidade estatística brasileira deveria se desenvolver.
Alexandra M. Schmidt
Conheci o professor Ronaldo Dias no SINAPE de 1998. Ganhei não apenas um colega, mas um verdadeiro amigo naquele momento. O que sempre me chamou a atenção nele foi seu conjunto singular de qualidades: a simpatia contagiante, a alegria genuína, a espontaneidade refrescante, a sinceridade inabalável, a generosidade sem limites, a coerência em seus princípios, a notável competência profissional e a irrepreensível correção de posturas. Poucas pessoas conseguem reunir todas essas características simultaneamente, o que tornava o Ronaldo uma pessoa verdadeiramente especial no Departamento de Estatística da Unicamp, onde dedicou anos de sua carreira acadêmica. No plano pessoal, além de sua dedicação à família — deixa sua esposa Nancy Lopes Garcia, também professora da Unicamp, e dois filhos, Alexandre e Anna — cultivava paixões que revelavam muito de sua personalidade. Torcedor fiel do Palmeiras, apreciador de jogos de rugby e conhecedor de uísques single malt, Ronaldo sabia equilibrar com maestria sua vida acadêmica e seus momentos de lazer. Sua partida deixa um vazio que será sentido por todos que tiveram o privilégio de conhecê-lo, seja como professor, colega, orientador ou amigo. Ele fará imensa falta à comunidade acadêmica e a todos que compartilharam de sua convivência. Deixa conosco um legado de conhecimento e, mais importante, lembranças que serão eternamente guardadas com profundo afeto e saudade.
Francisco Cribari
O prof. Ronaldo foi sempre muito gentil comigo, e em especial em minha livre docência, momento em que a gente está tensa. Lembro que comentou que é mais difícil termos sucesso de público e de crítica, e até comentou sobre 2 filmes. Eu fiquei mais tranquila, e ainda me deu bons conselhos para eu focar em alguns tópicos. Há muitos anos, fomos a um evento e me lembro que ele comentou como gostava de aprendizagem de máquinas, incluindo carros autônomos, e tudo era mais novidade. Era a única pessoa que eu lia no facebook, com posts divertidos e inteligentes. Uma perda para a estatística, para a sociedade e uma perda enorme para a família. Que tenham paz para passar por essa época difícil.
Airlane Alencar
Tenho memórias compartilhadas a respeito do Ronaldo. A primeira é associada com o meu ingresso na graduação em estatística em 1997. A primeira disciplina da estatística que tive se chamava “Estatística Descritiva e Documentária"; e era compartilhada entre Ronaldo e Nancy. Eu lembro deles explicarem que aquela era uma tentativa de apresentar, logo num primeiro momento, o potencial da área para que “nos mantivéssemos no curso"; e, assim, podermos ter uma noção do que viria após inferência e regressão. Todos nós éramos muito crus nesse quesito da abstração necessária para avançarmos, e uma fala do Ronaldo acabou ficando gravada na nossa turma, quase como um motto: “Learning is a painful process";. A segunda é já dentro do nosso grupo de docentes. Ele, sempre que possível, fazia algum movimento para juntar o grupo nas sextas-feiras. Mas, mesmo que a gente não se encontrasse, era sagrado recebermos uma mensagem no WhatsApp com a foto de um drink que ele preparara com a legenda: “O meu de hoje";. Talvez, numa triste coincidência, nessa última sexta, ele acabou juntando uma baita galera. É um movimento meio louco esse pra mim. Eu tê-lo conhecido na minha primeira semana na graduação, como docente, e acompanhar a trajetória que ele encerra e, finalmente, eu como colega de departamento. Ele sempre foi uma pessoa de conversa fácil: independente de diferenças que pudessem existir, ele sempre era capaz de puxar uma conversa agradável num tema que deixasse as diferenças de lado.
Benilton Carvalho
Ainda estou em choque com a notícia do falecimento do Ronaldinho. Eu tenho boas lembranças dele em congressos. Ronaldinho era sempre uma das pessoas mais animadas, e ele sempre tinha uma estória divertida para contar. A última vez que o encontrei foi no congresso da ISBA em Montreal em 2022, onde o Ronaldinho foi com a Nancy. Com o seu jeito animado de sempre, o Ronaldinho me contou de um café espresso sensacional que ele tinha tomado naquela manhã. Que perda incrível para a estatística brasileira.
Marco Ferreira
Ronaldo foi uma parte importante da minha formação acadêmica e sempre nos recebeu, a mim e à minha família, de braços abertos em sua casa, nos tratando com imensa generosidade. Ele era uma pessoa boa, e guardo com carinho os momentos em que pude testemunhar e receber sua genuína bondade.
Mariana Motta
O Ronaldo adorava rugby e seu time preferido era o All Backs. Surgida uma oportunidade, ele encomendou para um viajante brasileiro na Nova Zelândia duas camisas oficiais, uma para ele e outra para sua filha. Meses depois, comemorou-se o aniversário da Anna, que vestia a camisa encomendada recém recebida, radiante de alegria.
Aluísio Pinheiro
Ronaldo partiu deixando muitas saudades. Ele e a Nancy foram os primeiros professores com quem tive aulas quando entrei na graduação lá em 1998 e hoje, depois de ingressar como docente no departamento, tornaram-se amigos muito queridos! Pessoas de um coração enorme que abriram as portas de sua casa para nos receber sempre com muito carinho e alegria para os mais diversos eventos: um jogo da copa, um happy hour, um churrasco com um belo brisket feito por ele. E às sextas-feiras nunca mais serão as mesmas sem a típica mensagem do Ronaldo no final da tarde com uma foto de um drink dizendo";O meu de hoje", seguido do nome do drink. Ronaldo, havia ainda muitos drinks a serem testados e sua partida foi precoce demais! Você se foi, mas deixa memórias que ficarão pra sempre em nossos corações.
Tatiana Benaglia
Conheci Ronaldinho na época do Mestrado no IMPA, em 1986. Ele era nosso alívio nos momentos de pressão, com seu humor sempre afiado! Como era bom parar para um break e ficar batendo papo no café, rindo de suas piadas! Sempre alegre e tentando ver o lado bom dos problemas que surgiam. E continuamos nos encontrando durante todos estes anos, em congressos, visitas a Campinas e até em San Francisco, quando fui a passeio e ele estava por lá em uma visita técnica. Tirou um dia para passear comigo pela cidade e fazer turismo. Passamos boas horas juntos, relembrando velhos tempos. Uma pessoa do bem, excelente pesquisador, muito crítico e observador. Não só a comunidade estatística brasileira perdeu um de seus grandes nomes, mas todos nós sentiremos muita falta dessa pessoa maravilhosa que foi Ronaldinho. Ficaremos com as boas lembranças, gratos pelo tempo que pudemos compartilhar juntos.
Glaura Franco
Docentes do Departamento de Estatística no jantar em comemoração aos 50 anos do IMECC/Unicamp.